abraço



as férias foram intensas e estão terminando.
os laços foram puxados, remexidos e refeitos. a cada dia: uma nova prova. 

os planos mudaram do previsto, perdemos o carro, despedimo-nos da Bli.

informação demais pra cabeça de uma criança, sem dúvida. 
desde o incidente com o carro o Davi insiste em lembrar, de hora em hora, alguma coisa relacionada a isso. seja algo que perdeu queimado, seja alguma lembrança do carro ou memória do que fizemos a bordo dele. 

hoje fomos à missa (pode ficar contende, vó!): sétimo dia de falecimento da Bli. 
na missa, ele disse que ela não tinha morrido não, que estava por perto. 
passamos a semana falando sobre isso na hora de dormir: antes do "santo anjo" e da "ave maria" que ele puxa todo santo dia, me perguntou sobre ela. disse que tinha virado uma estrelinha e, na noite seguinte, um flagra: depois de cobri-lo, saí pra buscar algo antes de deitar um pouco com ele - quando voltei ele estava sentado na cama, beijando a estrelinha que tem de enfeite ao lado da cama. 

assuntos difíceis pra adulto, imagina pros pequenos? 
de novo e sempre: o fogo purifica e trás o novo melhor.

mas nem tudo é digerido tão fácil de digerir; o fogo, ainda esquenta e enche de cinzas as memórias dos dois. 
após o almoço de hoje, deitamos para descansar um pouco. passado pouco mais de meia hora, ouço um barulho estranho, respiração ofegante, choro e uma voz de criança. demorei a entender, então corri pro quarto dos meninos: lá estava o Davi, sentado na cama aos prantos, enquanto o Allan estava na porta, olhando pro pequeno, tentando entender o que estava acontecendo. liberei o mais velho e assumi o caso: deitei com o Davi, que me abraçou muito forte, ainda muito nervoso. levou um belo tempo ainda pra conseguir se acalmar, conseguir respirar numa cadência tranquila, coisa de vinte minutos. 
não escondo: foi desesperador. vê-lo nervoso daquele jeito, sem ter a menor ideia do que acontecera e de como agir. só pensava em abraçá-lo, bem forte - até ele entender que dentro de um abraço, desse abraço, existe morada - a dele. onde ele pode se debruçar e descansar. demorou, mas entendeu o recado. 
ficamos na mesma posição, quase botando em cheque aquela lei da física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço, por instantes, estávamos no mesmo espaço, tempo e dimensão. não sei quanto tempo foi isso. olhos nos olhos, nenhuma palavra - afeto e olhar - até ele voltar a dormir. 

a parentalidade nos proporciona muito aprendizado e inúmeros desafios, dia a dia. 
de longe, hoje, foi dos mais complexos. daqueles cabeludos aos quais temos que responder de alguma forma e não temos resposta. 

a memória, o fogo, a saudade. tudo isso agora invade as palavras e os sonhos do pequeno. 
pra acalmar isso tudo? 
abraço. 


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