por Elvira Souza Lima
Podemos
iniciar nossa conversa dizendo que toda criança tem direito a viver sua
infância. Nesse período, a criança realiza inúmeras aprendizagens que servirão
para toda a vida. Muitas delas se efetivam por meio de práticas culturais, que,
por sua vez, desempenham papel central, e cabe não apenas à família, mas a
vários setores da sociedade, garantir sua presença na vida das crianças.
Em seus
primeiros anos de vida, a criança obtém duas conquistas importantes: andar e
falar. O período que se segue a isso será marcado pelo desenvolvimento da
função simbólica (falar, desenhar, imaginar...). As atividades que predominam
nesse período são as que envolvem movimento e criação de significados, fazendo
com que a criança se desenvolva como um ser de cultura.
E que atividades
são essas? Desenhar, brincar de faz-de-conta, realizar brincadeiras infantis
que envolvam personagens e ações imitativas, cantar, dançar, ouvir histórias,
poesias e narrativas da cultura local. É muito importante para a criança a
vivência das práticas culturais de sua comunidade e região, pois a elas estão
ligadas a percepção de si mesma como parte de um grupo e a formação de sua
identidade. A experiência com imagens e com sons é uma parte importante na
educação da criança pequena, por isso toda criança precisa desenhar, cantar,
ouvir música e brincar.
Em seu
processo de desenvolvimento, a criança pequena desenha muito. Toda criança vai
desenhar indo ou não à escola, ou seja, desenhar faz parte de ser criança. É
muito importante que os adultos respeitem essa atividade, porque enquanto a
criança está desenhando ela está aprendendo muitas coisas. Para nós, adultos,
pode parecer que desenho não é uma coisa séria como aprender a escrever, mas é.
O domínio da forma desenhada também é uma das bases do desenvolvimento da
escrita.
Todo
desenho tem uma ação: para a criança tem sempre uma história no desenho que ela
faz. O desenho é uma narrativa: mesmo que para o adulto ele pareça uma
representação estática, para a criança ele é ativo, dinâmico, tridimensional.
Mesmo que a criança não fale nada enquanto estiver desenhando, ela está
"pensando" no que desenha. Então, ao desenhar, a criança trabalha com
sua imaginação, cria novas imagens, desenvolve sua memória, organiza sua
experiência para compreendê-la. O ato de desenhar não é, simplesmente, uma
atividade lúdica, ele é, também, ação de conhecimento. O desenho é, pois, parte
constitutiva do processo de desenvolvimento da criança.
A música
promove a comunicação entre as pessoas, provoca envolvimento emocional entre
elas. Cantar, tocar um instrumento, ouvir música são atividades que fazem bem
ao ser humano em qualquer idade. Na infância a música é mais importante ainda,
pois contribui para o desenvolvimento da criança. As cantigas infantis
possibilitam o desenvolvimento da memória auditiva, do ritmo e da melodia, com
realizações que estarão envolvidas na apropriação da leitura e da escrita.
Nascida
em uma cultura que valoriza tanto a música quanto a dança, a criança brasileira
é exposta desde bebê a uma vivência musical variada. Do mesmo modo, a criança
brasileira também tem experiências com a dança nas festas populares, na mídia,
nos rituais das tribos, nas celebrações religiosas, nas festas e em outros
eventos.
É muito
importante que se valorize a vivência musical, criando situações em que a
criança possa, diariamente, ter alguma atividade que envolva a música. Muitas
das brincadeiras infantis já trazem essa experiência, o folclore brasileiro tem
uma variedade muito grande de atividades que envolvem música.
Sabemos
hoje que a música é importante no desenvolvimento do cérebro, traz muitos
benefícios para as aprendizagens que a criança terá mais tarde, na escola.
Por
exemplo, as músicas cantadas têm rimas. Ter sensibilidade à rima sabe-se hoje,
é um dos componentes essenciais para a aquisição da leitura. O que é ter
sensibilidade à rima?
É saber
reconhecer rimas e saber fazê-las, também.
Para a
criança que se está constituindo como um ser da cultura é fundamental entrar em
contato constante com a música. Para a criança brasileira, a música é mais do
que isso, é dialogar com o outro, é ser inserida na cultura de nosso país.
As
brincadeiras infantis envolvem movimento. Muitas delas fazem com que a criança
movimente seu corpo no espaço. Isso ajuda, por exemplo, a formar conceitos de
localização no espaço, como acima/abaixo, dentro/fora, perto/longe.
Muitas
brincadeiras trazem pequenas narrativas, que auxiliam no desenvolvimento da
oralidade e do sequenciamento de fatos, como a rosa juvenil [cantiga de roda
sobre uma menina, Rosa, que é vítima de uma feiticeira e sobre o rei que irá
desfazer o feitiço. Na brincadeira, as crianças formam a roda; a que vai para o
centro será a Rosa, e outras duas, de fora da roda, serão a Feiticeira e o Rei.
Seguindo as estrofes da música, cada criança deve agir de acordo com o seu
personagem. Aquelas que estão na roda, devem girar e cantar ao redor da Rosa].
Todas envolvem a memória de movimentos sequenciados em uma ordem constante. Por
exemplo, lenço-atrás [brincadeira em que os participantes formam uma roda, em
torno da qual um deles corre levando um lenço na mão e dizendo versos; o lenço
deve ser deixado atrás de uma pessoa, que sairá da roda perseguindo o que a
escolheu e tentando impedi-lo de ocupar o lugar deixado vago],
coelhinho-sai-da-toca [cada participante senta em uma cadeira e o que comanda o
jogo fica em pé. Quando ele gritar "Coelho sai da toca", todos devem
mudar de lugar; inclusive o comandante deve se sentar. O que ficar de pé sai do
jogo e uma cadeira é retirada].
Brincar é
necessário para que a criança cresça saudável, não pode ser substituído por
outro tipo de atividade. Um dos direitos mais fundamentais da infância é ter
tempo para brincar e cabe aos adultos criarem essa possibilidade para toda e
qualquer criança.
Ouvir
histórias, ouvir e recitar poesias, parlendas [rima infantil usada em
brincadeiras], conversar com outras crianças, ser ouvida pelo adulto são
situações que todas as crianças devem ter continuamente. O folclore, as festas
tradicionais, as celebrações são também fonte de ampliação da experiência, além
de funcionar como oportunidades para a formação da identidade cultural.
O que foi
colocado aqui é válido, igualmente, para as crianças que nascem com alguma
diversidade biológica, ou seja, não ouvem, são cegas, possuem alguma síndrome
(por exemplo, a síndrome de Down), têm algum impedimento por causa da condição
de seu cérebro (paralisia cerebral, por exemplo). Para essas crianças, as
atividades da infância são tão necessárias como para qualquer outra criança.
Nesses casos, a sensibilidade dos adultos é muito importante, pois são eles que
podem criar condições para que essas crianças brinquem, ouçam música,
participem de atividades culturais e festas públicas, entre outras coisas.
Finalmente,
toda criança tem o direito de conviver com as diferenças. A formação ética com
respeito à diversidade cultural e à diversidade biológica é uma
responsabilidade de todos na sociedade. Se a criança não conviver com as
diferenças, ela não terá a possibilidade de ampliar sua experiência de vida e
compreender que a diversidade é normal na nossa espécie.
"Toda criança tem o direito de conviver
com as diferenças. A formação ética com respeito à diversidade cultural e à
diversidade biológica é uma responsabilidade de todos na sociedade".
Fonte: http://adocaotardia.blogspot.com.br/2007/09/permitir-que-criana-viva-sua-infncia.html
(Acesso em 27/06/2016).
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