A adoção de crianças com mais de três anos é
considerada “adoção tardia”. Esse termo é baseado no desenvolvimento infantil,
pois a partir desta idade a criança já desenvolveu autonomia parcial: não usa
fraldas, come alimentos sólidos, ou até come sozinha, fala, anda, e não é mais
considerada um bebê.
O principal receio dos pretendentes é a história
pregressa das crianças, o medo do passado, das vivências que já acompanham esse
serzinho, e o receio de não saber lidar com isso. Fica-se com a impressão de
que um bebê é mais facilmente “moldado” e é mais fácil amar um bebê totalmente
dependente do que uma criança maior.
Numa pesquisa realizada pela psicóloga Lídia Weber,
com mais de 240 famílias adotivas, percebeu-se que as adoções ditas tardias são
diferentes das adoções de bebês apenas na fase de ajustamento. As dificuldades
encontradas referem-se aos processos de socialização, dinâmica familiar e
práticas educativas da família, ou seja, poderiam acontecer também com um filho
biológico ou em uma adoção de bebê.
Mas para optar por uma adoção tardia é preciso
preparo, abertura e disposição para enfrentar a fase de ajustamento. A história
da criança pode ser marcada por dor, abandono, sofrimento, negligência, entre
outros. Os pais devem focar na construção do vínculo afetivo, em fazer com que
a criança se sinta segura e amada, e possa novamente confiar em um adulto.
A adoção tardia tem algumas características
próprias, que podem acontecer sequencialmente ou ao mesmo tempo, lembrando
sempre que cada caso é um caso, e a intenção desse texto é apenas dar uma ideia
aos novos pais sobre o assunto.
Ø Fase
do encantamento ou lua de mel: a criança faz de tudo para agradar os novos pais
e se sentir parte da família, isso geralmente ocorre no estágio de adaptação
(que pode durar 1 ou 2 meses, com crianças até 6 anos, mas pode se prolongar
por mais tempo com crianças maiores).
Ø Fase
de testes: quando a criança
se sentir “escolhida”, ela passará a testar os novos pais, com provocações,
agressividade, tudo para ver se os pais realmente a amam e se não irão
abandoná-la (como nas vivências anteriores). Neste momento é preciso ser firme,
impor limites e regras, mas sempre com afeto e carinho. Enfrentar as birras com
firmeza, mas sempre deixando claro que você é a mãe da criança, e será para
sempre, mas que agora ela precisa guardar os brinquedos, por exemplo. Na
psicanálise dizemos que a criança pode projetar na mãe adotiva, inicialmente,
toda a raiva sentida pela genitora que a abandonou. Isso acontece por um
período, e se a mãe adotiva conseguir acolher essa raiva com amor, sempre
colocando que será mãe da criança para sempre, que ela o ama e não irá deixá-lo
nunca, essa fase irá passar, naturalmente.
Ø Regressão: A criança passa a agir como
bebê, a fazer xixi na cama, a pedir colo a toda hora, ou querer usar chupeta. É
como se ela quisesse viver todas as fases que não viveu com a genitora com
você, é um renascimento nessa nova família. Percebe-se a regressão como algo
positivo, uma necessidade dessa criança se vincular a nova família, construir
uma história nova, vivenciar a fase de bebê e renascer nessa nova mãe. Atenda
com naturalidade, ela precisa desse espaço e tempo para a formação de um
vínculo.
“Geralmente, a criança adotada tardiamente vive um
processo psíquico de regressão. Ela se reporta ao estado imaginário de
recém-nascido e vive uma espécie de segundo nascimento, a partir do qual ela
pode percorrer de novo seu desenvolvimento e até resolver melhor as fases da
constituição do ego. A fase mais regressiva do processo de adoção tardia é a
fantasia de reinclusão no corpo maternal. O “fantasma intra-uterino” leva a
criança a buscar, através do contato corporal pele a pele, boca a boca, a
realização do desejo de se reintroduzir no corpo materno, de voltar a viver na
barriga da mãe( no caso, de habitar pela primeira vez). O desejo de renascer da
barriga desta mãe é um ponto importante na identificação do processo de
filiação que a criança, começa a estabelecer com as novas figuras parentais.”
Rosa Pires Aquino
– Psicóloga Coordenadora Projeto Padrinho.
“É comum crianças em idades avançadas perderem temporariamente o controle dos esfíncteres, voltarem às mamadeiras, às chupetas. Essa regressão é vista como muito positiva pela Psicologia, pois simbolicamente a criança renasce para a vida nova.”
Adriane
Albuquerque Cirelli - Pedagoga, Psicopedagoga Clínica e Hospitalar.
Ø Adaptação: Não se assuste se no começo da
convivência ela trouxer uma linguagem inadequada, ou comportamentos aprendidos
no período de abrigamento. Dê tempo para que a criança se adapte aos costumes e
hábitos de sua família. Também não tente apagar a história dela. Tire fotos de
todos do abrigo, e se ela quiser retornar em alguns momentos para ver alguém,
permita. Mas deixe que isso seja espontâneo, não force, vai depender do vínculo
que ela construiu com os cuidadores. Com o tempo naturalmente ela irá se
afastar e se reintegrar a nova vida.
Para essa nova vida, é importante sempre celebrar a
adoção, fazer fotos de diversas situações, independente da idade da criança.
Você pode montar um álbum com foto do dia em que se conheceram, a primeira vez
que ela foi até a sua casa, a primeira noite que dormiu na sua casa, o dia que
conheceu os avós e tios, tudo é fundamental para marcar essa nova fase! Faz parte
do renascimento dessa criança, registre e mostre como foi especial para você!
Cada criança traz uma história, diversos grupos de
apoio à adoção auxiliam casais no pós adoção, mas dependendo da situação e da
história vivida, aconselho um apoio psicológico para a criança e os novos pais.
As pessoas são diferentes, e para alguns pode ser mais difícil lidar com
determinadas situações. Por isso a adoção tardia deve ser pensada e preparada,
pois exigirá bastante dos novos pais.
Para encerrar esse artigo, seguem dois depoimentos,
um de uma criança adotada tardiamente, e outro de uma mãe, retirados do livro
Adote com Carinho, da Psicóloga Lídia Weber (Curitiba, Juruá Editora, 2009).
“Não importa se consegui ser adotada com mais
idade. Foi maravilhosa essa sensação que eu tive quando sentei no colo do meu
pai pela primeira vez… a sensação de ser amada e poder amar, e ter certeza de
que essa pessoa – o pai ou a mãe – que eu estava esperando há tanto tempo! Deus
coloca os pais certos na hora que ele achar que você vai ser feliz. Deus
colocou minha mãe e meu pai na minha frente quando ele achou que era a hora de
me dar meus pais e eu sou profundamente feliz.”
S., 15 anos (pág.
103).
“Tão fantástico como apresentar um mundo a um bebê
é redescobri-lo, junto com seu filho através da adoção tardia.”
L. L., mãe de dois
filhos (pág. 102).
Fonte:
http://psicologiadaadocao.com.br/2014/06/22/adocao-tardia/ (Acesso em
20/06/2016).
Comentários
Postar um comentário