alguém pra se lembrar



como bom canceriano eu, definitivamente, não sei lidar com despedidas. 
morte então, nem se fale. pode ser a quilômetros de distância, longe da minha rotina - tudo me comove e, vez ou outra, arrasa comigo. 

aí fica o desafio: como ensinar um pouco sobre a morte, a despedida, com meus filhos?
a vida fez a sua parte: ensinou pra mim e pra eles como tudo deve ser. 

tivemos férias bem turbulentas. 
700km de distância separam a nossa casa do que seria o destino da viagem: uma criança de sessenta anos que vive no coração da família toda e mora lá longe, no interior de minas. 
fomos, tivemos contratempos na volta mas, enfim, voltamos. 

tivemos a alegria de apresentarmos ela pros meninos pra eles conhecerem a diferença: como pode uma senhora brincar com um bando de coisas que o Davi ama? pois bem, Down é puro amor. e isso, sem dúvidas, conseguimos passar pra eles, perfeitamente. 

passado o susto dos contratempos, baixada a poeira da burocracia e das dificuldades do caminho, ontem o telefone tocou. 
na TV ainda rolava a final da copa do mundo entre França e Croácia e lá de Minas vinha a notícia: a nossa Bli tinha falecido. 

estávamos na casa de amigos, o STU estava num banho de arruda pra limpar tudo de difícil que tivemos nas férias. eu tinha a incumbência de falar pra ele, terminado o banho relaxante, que a Bli tinha partido. confesso que fiquei por uns minutos um pouco sem reação, pensando em como falar com ele, com as crianças. mas em segundos tudo clareou: ela viveu bem mais do que qualquer expectativa que um médico pudesse imaginar, viveu rodeada de amores e carinhos da vida toda e tivemos a alegria de estar com ela há uma semana, apresentamos os meninos e nos despedimos. 

parece até que sabíamos que ela estava por ir. 
muito obrigado, Bli. 


– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde.– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

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