mãos dadas



os tempos são difíceis.
retrocessos que se somam, potencializam e elevam a ansiedade.

um mol de pensamentos que vagueiam e nos rondam como olhos, como um açoite. mas não, nada de mãos atadas. é com mãos dadas que seguimos juntos, mais fortes.

fala,
ainda que pense que o outro não tem tempo,
que você não precisa disso,
que não é bem assim,
fala.

ouça,
mesmo que a agenda apertar,
que o sol brilhar e hoje for dia de praia,
que aquela horinha de sono e a tão esperada preguiça enfim chegaram,
pare: ouça.

um minuto pode mudar uma vida,
meia dúzia de palavras faladas/ouvidas
podem ser o gatilho para um recomeço.

precisamos de recomeços:
em tempos difíceis, nos reinventamos.
de olho acolá em como o outro se reinventou, projetando ao que faça sentido aqui.

dia desses eu estava no elevador.
era sexta de uma semana pesada: com presidente da república chamando a minha família de "lixo", com governador do estado repreendendo qualquer material que cite a família diversa, com prefeito censurando o nosso livro pelo fato de falar sobre o amor livre de rótulos, de sangue. o amor de verdade. ufa, me aperta a garganta só de lembrar. eu peguei o elevador com o cachorro, pro xixi da tarde. dele, no caso. só um andar abaixo, entrou uma mulher. que eu nunca havia visto e desde então nunca mais encontrei. chego a pensar inclusive se ela, de fato, existe ou existiu. tão logo que entrou no elevador, parou e ficou prestando atenção em nós dois - eu e o cachorro. cena bem banal, pra gente. eram apenas seis andares que nos separavam da saída e, nesses segundos de relação ela teve tempo hábil para nos reparar e dizer:
- estou impressionada, já reparou no olhar dele? olhe só, ele ama muito você, é muito grato por todo o cuidado que tem com ele. posso ver o olho dele quase lacrimejar em te ver no meio do dia, parando toda a sua rotina pra dar um tempinho de atenção pra ele.
saí, sem palavras.
chorei rios.

eu precisava chorar, desaguar.
andava tenso, ansioso com tanta notícia difícil. foi o escape ideal.
e meu amor pelo cachorro?

ah, aprendi muito com os dois aí de cima, da foto.
eles me ensinaram a ser plural. a pensar e a me interessar verdadeiramente pelo que é importante para outros vocês para além de mim.  

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