treinar o olhar

esse tal de isolamento tem se mostrado um baita professor: aos que reconhecem e aos que nem perceberam ainda mas - inevitavelmente - aprendem muito com esse tal de isolamento. 

é inevitável prestarmos mais atenção em nós mesmos. 
correto que pra muitos de nós a agenda agora contempla bem mais tarefas do que no dia a dia, como o cuidado com a casa, roupas, animais e plantas. acontece que aprendemos, dia a dia, a sermos mais eficientes. não perdemos tempo no trânsito, tampouco em reuniões infindáveis com mesas cheias e assuntos prolixos. colocamos à prova o tempo - o tempo todo. com isso, muitos ganhos: os rituais da rotina tornaram-se mais aveludados e cheios de procedimentos (que agora ganham atenção, etapa a etapa); o simples acordar e ir ao banheiro tornou-se um momento especial de auto-cuidado - do se olhar atentamente ao espelho, cuidar-se para ficar em casa; o banho de sol, aquele momento de introspecção ou de revisitar um trecho de livro, que conforta ou questiona - e que, invariavelmente, nos tornam mais fortes.

força: é assim que tenho visto, pela tela, as pessoas do lado de lá. 
e aqui também. 

estamos crescendo a cada dia - afinal, não há conhecimento mais importante do que o auto-conhecer. o deixar de lado todas as teorias e receitas infalíveis para olhar para si, testar o que funciona nessa engrenagem cheia de reentrâncias que chamamos corpo, sentir o inflar e murchar do peito até termos a certeza de - estou vivo. 

(respire fundo)

é preciso respirar e não entrar nesse tornado de notícias estarrecedoras. 
e procurar boas notícias - afinal, acredite se quiser: elas existem também, ainda que em meio à pandemia! olha só isso. :)


por aqui, não tem sido diferente não: mil e um desafios com essa história de confinamento. num dia damos o braço a torcer que de fato o home office funciona, que as crianças se adaptaram bem a tudo isso e estão estudando direitinho. no outro descobrimos umas falcatruas da tarefa de casa, a internet fica caindo e o dia fica nublado - prato cheio pra aquele mal estar generalizado. 
não podemos esquecer que, pra além de pandemia, somos todos humanos - e por isso inconstantes e por isso falhos e por isso também sensacionais. a cada dia, diferentes - e isso é ótimo!

o auto-conhecimento permeia o nosso corpo todo e extrapola a pele: chega ao outro que nos cerca e ronda nesses dias de proximidade em meio ao afastamento do mundo. chega ao sol que visita com louvores, ao cachorro que não sai do pé, à pilha de roupas pra passar que não nos deixa esquecer: a vida segue. :)

esse exercício de auto-conhecimento e esse isolamento estão provocando na gente algo inusitado: o olhar atento e o interesse no outro. 
ora, veja só, quem de nós não queria sair à rua e ganhar um abraço?
sentar numa mesa de bar sujo e ficar olhando a vida passar, sem ter hora, com a cerveja fazendo o copo suar?

pois é, precisamos cercear a liberdade para tomarmos consciência de que o outro é muito importante pra nós. vivemos agora à espera de um convite para aquela vídeo chamada inesperada, trazendo e levando notícias pra longe. 


pouco antes desse tumultuo todo, fiquei 10 dias fora de casa. 
primeira viagem sem filhos e marido, primeira vez minha em Nova York. 
sorriso de orelha a orelha e coração dilacerado: experimentei, logo em Janeiro, o que seriam os dias e meses que trariam esse tal vírus pra tomar conta das notícias e do sono do mundo. 
mas já nessa ocasião tive um incidente do quanto o outro é importante. e do quanto a minha presença (ou ausência) aqui em casa, também foi importante. já na primeira noite o Davi pegou um porta retrato que tem uma foto do meu casamento e levou pra cama dele. trocou o parceiro fiel das noites dele - o Sansão - pela foto dos dois pais, juntos. trocou não, incluiu!



juntos.
é isso. lembro agora de uma frase que repeti à exaustão quando ainda namorava o STU e, num relacionamento extremamente recente e intenso, fiquei 6 meses fora do país:

"longe, mas nunca distante".

Comentários