Direitos (3/4): a adoção homoafetiva e seus entraves


A adoção, como sabemos, é destinada à família substituta, termo utilizado para designar uma família que não tem parentesco com a criança ou adolescente, e pretende ocupar o espaço da família biológica do adotando, após a impossibilidade do retorno deste à família original. Nessa circunstância, a família substituta se propõe a trazer o adotando para fazer parte de seus laços afetivos, dando-lhe amor, carinho, educação, fundamentais para o seu desenvolvimento. Sobre a adoção por família substituta, prevê o Estatuto da Criança e do adolescente em seu artigo 28 que: “a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente”.
A adoção por casais homoafetivos, por vezes é negada, em função da ainda presente discriminação. Tendo em vista o fato de que os direitos da união homoafetiva foram reconhecidos, restando notória grande conquista, persiste esta ainda infértil em certos aspectos, em função dos homossexuais serem discriminados, em diversos aspectos sociais relacionados ao casamento, como por exemplo, a adoção. Tudo isto quando comparado, por exemplo, a casais heterossexuais, o que fere diretamente a Constituição em seu art. 3º.
A adoção por casais homoafetivos sob a visão dos conservadores, é atacada em função de vários fatores, tais como a inexistência da previsibilidade legal que a legitime; ausência da figura materna ou paterna como fator desfavorável ao desenvolvimento psicológico regular do adotando; o risco de um casal homossexual proporcionar à criança ou adolescente um ambiente de exposição à práticas sexuais libertinas; além de, ainda argumentarem, serem vitimas, tais crianças, de discriminação social quando adotadas por pais homoafetivos.
Como já mencionado no curso desta produção, a atuação do judiciário, nos moldes aqui expostos, deve se dar no silêncio da norma, especialmente quando da demanda social ao judiciário restando impedido este de furtar-se à obrigação em apresentar decisão apta a solução dos conflitos.
No tocante a adoção por casais homoafetivos, fora proposto e arquivado, ao Congresso nacional em 2013, Projeto de Lei que propunha a criação do Estatuto da Família que dentre outras questões se destinava a definição do que viria a ser família.
Já em seu art. 2º passa a dispor que “define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.” O Projeto chegou a ser arquivado na mesma legislatura, dada a grande comoção social de parcela da população indignada pelo flagrante teor discriminatório e retrógrado, como restou consignado no voto proferido pela Deputada Manuela D’Ávila, quando tratada a matéria:
“O substitutivo considera todos os outros arranjos familiares como incompletos, desestruturados. Encastelado no fundamentalismo religioso, atribui às ditas famílias desestruturadas todas as mazelas da sociedade. Chega mesmo a na justificativa (sic) do substitutivo comparar as famílias homoafetivas como furacões, tamanha seria a sua desordem. Para o fundamentalismo conservador, na contramão da história, só pode se considerar família o núcleo que é capaz de reproduzir a espécie. Logo, pergunto, casais heterossexuais inférteis deixariam de ser consideradas “famílias”? Em resposta, podemos assegurar que a moral e a ética não são campo onde se devam interpretar as condutas humanas como frutos das determinações da natureza.”
Haja vista já serem pacíficas a pluralidade conceitual da família na sociedade brasileira, embora não haja a definição legal para tanto, não se poderia admitir um retrocesso de tamanha proporção, pro ocasionar este prejuízos das mais diversas naturezas, como por exemplos as mencionadas pela deputada em seu voto.
A despeito do arquivamento procedido, na legislatura de 2015, o então presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha traz a tona novamente a discussão do texto proposto pelo deputado Anderson Ferreira em 2013, com declarado intuito de barrar o progresso dos direitos dos homossexuais dada a manifesta motivação religiosa do parlamentar.
Como a vertente contrária, há os argumentos favoráveis à adoção por casais do mesmo sexo. Essa corrente entende que a distinção de casais no momento do reconhecimento dos seus direitos como entes de uma entidade familiar, consequentemente portadores dos direitos à adoção, não deve existir. Não pode haver obstáculo para que um casal, já reconhecido, seja pela simples união estável, ou mesmo pelo contrato entre os conjugues, que é o casamento civil, possa adotar, pois significaria violação constitucional, no que se refere aos direitos fundamentais do indivíduo presentes no art. 3º, parágrafo IV, o qual visa promover o bem comum, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. 
Nessas famílias, formadas apenas pela figura dos “pais”, casal de homens, ou das mães, casal de mulheres, não se deve pensar em perda da figura paterna ou materna, pois o cuidado e a educação devem dar preferência ao respeito e ao reconhecimento das mais diversas manifestações familiares da modernidade. A família monoparental, a título elucidativo, partilha dessa ausência da figura de algum dos sexos, porém, não sofre qualquer inferiorização quando pensada como entidade familiar. Dessa forma, fica claro que, não devem as famílias homoparentais ser alvo de discriminação, devendo inexistir empecilho pautado em preconceito, que as rebaixe à formato familiar depreciado, a saber, que não possa gozar dos mesmos direitos que os demais modelos.
A ideia de que os casais homoafetivos não deveriam ter direito à adoção por poderem incentivar o adotando a não compartilhar dos valores idealizados pela sociedade, como banalizar a sexualidade, deve ser repudiado, pois as chances disso acontecer são as mesmas de um casal heterossexual, ou até menos, pois diferente dos casais de sexo diferente, os casais homoparentais escolhem ter filhos e passam por uma série de obstáculos, inerentes ao processo de adoção, para usufruir desse direito.
Além de que estudos psicológicos comprovam que os filhos dessas uniões, tem tendência a desenvolverem comportamentos mais tolerantes, como bem destacam Ferreira e Chalhub (2014).
Não se deve erroneamente presumir que se quer uma monopolização das adoções pelos casais homoafetivos, muito menos pensar que essas crianças/adolescentes serão discriminadas por não fazerem parte de uma família heterossexual, igualmente, que o direito de adotar seja reconhecido de forma isonômica, em função das disposições legais que rezam que antes mesmo de se iniciar qualquer tipo de preparação ou envolvimento entre adotante e adotando, deve-se  analisar se o casal tem mesmo a intenção e preparo para propiciar um ambiente saudável para a criança, composto por amor, respeito, afeto e educação. Restando ainda necessário que os adotantes tenham resultado positivo quando dos laudos psicossociais requisitados para análise judicial, como previsto no art. 29 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.”
(BRASIL, 1990).

REFERÊNCIAS

Ø        Adoção por homossexuais no direito brasileiro
Olga Maria Prazeres, Luis Felix Bogea Fernandes
Ø        Adoção de crianças por casais homoafetivos e o desenvolvimento psicológico dos adotados
Maria José Alves Pinheiro, Pâmela Larissa Viana Ribeiro
Direito de adoção por casais homossexuais e o ideal isonômico constitucional
Ramon Gomes Reis , Phablo Freire



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