Tem coisa melhor que sair do trabalho na sexta-feira e correr pra encontrar
seus filhos? Pela primeira vez sentimos esse frisson. E posso falar: super
recomendo! O dia passa mais rápido, aquele frio na barriga gostoso, tem sido
incrível essa experiência. Digo que estamos em trabalho de parto, que tem
cumprido muito mais que só a função de nos aproximarmos dos meninos. Tem nos
aproximado muito!!! Mas vamos ao que interessa: como foram as visitas de sexta,
sábado e domingo?
Na sexta-feira os
dois estavam um pouco birrentos. O Marola não havia tido aula por conta de
conselho de classe; talvez por isso estivesse um pouco entediado. Sendo assim,
várias manhas se sucederam: chegamos e ele estava no computador. Ficamos um
tempo assistindo ele jogar enquanto o pequeno vinha com os papéis e canetas
dele desenhando milhares de bichos-papões e Patatis Patatás. Entre um desenho e
outro, aquela voz rouca não parava de repetir, curioso: “O que é isso, tio?”. E
eu, desmanchava. O fato é, eles moram num abrigo cheio de crianças e têm apenas
um computador. Resultado: tempo contadinho pra usar, e cada um tem que
respeitar o tempo do outro. Não sabemos ao certo se por birra ou como desculpa
pra ficar sozinho com a gente, depois de usar o computador o Marola abriu o
maior berreiro porque queria usar mais, dizendo que tinha usado muito pouco. As
tias deixaram ele usar mais cinco minutinhos e nos sugeriram subir com os dois
pro Lúdico. Acalmamos eles e assim que passou o tempo de computador, subimos.
Lá foi tudo ótimo: estávamos só os quatro e ficamos um tempão brincando assim,
em família. Começamos com o Tsunami vestindo chapéus de festa em todos, o
Marola mostrando os carrinhos que mais gostava. Então fomos pra um tapete que
fica no chão e fingimos ser uma cidade: o grande propunha desafios pra gente
estacionar o caminhão cegonha dele dentro de uma caixa. Cada vez mais difícil,
a cada rodada mais gargalhadas, abraços e beijos. Ficamos tão entretidos que
perdemos um pouco a hora; arrumamos tudo e descemos já um pouco atrasados – os outros
meninos já estavam jantando. Nos despedimos com um abraço apertado já
combinando o encontro do dia seguinte!
Sábado eles haviam nos convidado para o futebol. Chegamos perto das
quatro da tarde e estava lá um grupo grande de voluntários que faziam uma
pequena confraternização com eles: bolos, salgados, refrigerantes e crianças
correndo por todo o lado. O Tsunami estava no colo de uma senhora brincando e o
Marola se divertindo vendo vídeos no Youtube com jogadas ensaiadas de futebol e
correndo pro quintal da casa pra treinar junto com os amigos de abrigo.
Rapidinho eles olharam pra gente e nos convidaram pra entrar na brincadeira: jogamos
bobinho um tempão, foi bem gostoso. Depois fiquei um tempo assistindo (babando)
ele jogar as tais jogadas ensaiadas que eles tanto queriam, enquanto o STU
ficava desenhando e brincando com o pequeno. Um tempo depois fique brincando de
jogar a bola pro Marola e, como o espaço era pequeno, ele me chamou pra irmos
pro outro quintal. Lá perto estava o irmão e o STU e rapidinho também os dois
entraram na brincadeira: ficamos os quatro brincando de bola. Voley, futebol,
gol a gol. Rolou de tudo, além de muito beijo do pequeno e abraços bem intensos
no maiorzinho. Fomos embora já combinando o programa do domingo: nove da matina
nos encontraríamos lá pra ir à missa; precisávamos ir assistir o Marola como
coroinha!!! Chegamos no carro e: surpresa! O carro, que era branquinho, tava
todo manchado das amoras que caíram do pé que tem bem em frente ao abrigo
(aliás, o Tsunami adora amoras; sempre que desenhamos uma plantinha ou uma
árvore ele fica pedindo pra desenhar em seguida as amoras!!).
Domingo é dia de missa que é dia do Marola ser coroinha que é dia dos
tios babões chorarem litros. Tudo isso: chegamos perto das nove na casa e os
maiorzinhos já estavam trocadinhos. O Marola e dois amigos do abrigo são
coroinhas na minha do domingo cedo. Ficamos de olho neles consertando o motor
de um carrinho a pilhas enquanto brincávamos com o Tsunami. Os dois estavam bem
felizes. Em meia hora os coroinhas saíram pra capela e nós ficamos na casa;
íamos mais perto de começar a missa junto com o resto do pessoal. O pequeno ia
ficar no abrigo com os cuidadores; ele é bem espoleta, não iria parar quieto lá
cheio de gente conhecida. Resultado: quando saímos ele armou o maior berreiro.
Foi de cortar o coração (mas em off foi fofo também!). Fomos pra capela e
escolhemos um banco bem perto da porta: assim o Marola iria nos encontrar
facilmente quando entrasse e saberia onde estamos sentados. Mas, o tiro saiu
pela culatra: acreditem ou não – lá do altar os moleques perceberam que os tios
choraram durante a missa! Sempre que tínhamos oportunidade íamos perto do altar
do lado dele e dávamos um sorriso, mas não tinha como segurar a emoção. Estamos
a cada dia mais apegados, é cada dia mais difícil falar tchau e voltar pra casa
sozinhos. No fim da missa encontramos os três e a primeira coisa que nos
falaram foi que viram o STU chorando!!! Voltamos pro abrigo, brincamos mais um
pouco com os dois e perto da hora do almoço voltamos pra casa.
Hoje vindo pro trabalho estava ouvindo música e me desatei a chorar no
ônibus. A música? Amoras, do Emicida. Ouve só:
Veja só, veja só,
veja só, veja só
Mas como o pensar
infantil fascina
De dar inveja, ele é
puro, que nem Obatalá
A gente chora ao
nascer, quer se afastar de Alla
Mesmo que a íris traga
a luz mais cristalina
Entre amoras e os
pequeninos eu digo:
Os pretinhos são o
melhor que há
Doces, as meus
favoritos brilham no pomar
E eu noto logo se
alegrar os olhos dos meninos
Luther King vendo
cairia em pranto
Zumbi diria que nada
foi em vão
E até Malcolm X
contaria a alguém
Que a doçura das
frutinhas sabor acalanto
Fez as crianças
sozinhas alcançarem a conclusão
Papai que bom, porque
eu sou pretinho também
com carinho,
dois pais.
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