o que é História?



a escola do Allan está para completar 50 anos de história. 
nem é tanto tempo assim comparada com outras, mas uma questão é fundamental: como se deram esses cinquenta. 

olhar para trás, sob a perspectiva do Equipe, é de encher o peito e turvar a visão. 
fundado em 68 por professores advindos de um departamento da Universidade de São Paulo, a escola virou palco de um grupo de resistência democrática ao autoritarismo do período. 

essa gênese forte e com um posicionamento bem definido garante à escola uma raiz muito diferente do que se encontra na grande massa de colégios da cidade: o pensamento crítico do aluno é trabalhado com afinco. para isso, integração entre alunos, familiares, corpo diretivo e professores - uma união que define as bases e direciona o andamento do ano escolar. 

dia desses meu filho chegou em casa com uma lição: escolher um objeto. 
tarefa simples, a princípio. mas não é só isso: esse objeto será trabalhado durante todo um semestre em disciplinas diversas como História, Língua Portuguesa e Artes. História, aliás, nem livro didático tem, por ora. Nesse começo de ano a ideia é o aluno entender o que é e como se faz história, além de perceber como é facilmente manipulada - aí a importância para estarmos atentos às letras que nos impactam e questionar, sempre.

o trabalho é o seguinte: primeiro o aluno escolhe um objeto. apresenta à turma e durante as aulas irá desenvolver um texto falando sobre memória; afetiva que esse objeto retoma, simbólica e pessoal. feito isso os pais irão ter que desenvolver algo próximo a isso: a lembrança desse objeto como algo marcante ao filho - tentar explicar o porque da escolha e qual o contexto pessoal e afetivo entre a criança e o objeto. com os dois textos em mãos os alunos têm, então, duas visões do mesmo fato: qual a diferença? qual está certo, qual está errado? existe certo e errado? 
muitas questões que surgem a partir de um trabalho - literalmente - mão na massa. vão escrever História para entender História. pensar a disciplina como dia a dia - qualquer um, querendo ou não, faz história. uns com um enredo mais prosaicos, outros mais rebuscados e cheios de emoção. 

nessa semana o Allan levou para a aula o objeto escolhido: o livro que foi desenvolvido junto ao Fazendo História que conta um pouco da história de vida dele, ao menos a partir do momento em que se mudou para o abrigo. 
ele ficou fora da escola, sem participar de algumas atividades por três semanas por conta de um afastamento médico. os amigos já haviam levado os seus objetos e, por isso, somente ele apresentou nessa semana. resultado: uma hora falando sobre o livro, olhos marejados e muito orgulho dos pais aqui. 

orgulho em ver que ele não se envergonha de sua história - muito pelo contrário: apresenta como memória afetiva, como algo que, além de lembrar, quer e não vê problema algum que todos saibam. "tive uma outra família, morei um ano e pouco num abrigo, fiz amigos por lá e depois ganhei uma nova família - dois pais e dois filhos". 
ele contou isso ontem durante o jantar; na verdade já havíamos acabado de comer, estava arrumando a louça; aproveitei que estava de costas de deixei as lágrimas caírem. tivemos uma discussão no final de semana que havia me deixado muito pensativo no sentido de "estamos certos ou precisamos mudar algo?". e a resposta veio rápido: a discussão foi necessária para que ele preste mais atenção em tudo isso que conquistamos, juntos. 

ser pai é se surpreender, o tempo todo. 
com eles e com a gente. trinta anos nas costas e ainda, costumeiro, descubro mais de mim.
bom que conheço meus filhos só há  um ano e quatro meses. tem muita linha pra desatar e tecer ainda. 

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