arrumando a casa



fizemos uma limpa.
roupas, sapatos, brinquedos. demos uma geral na casa toda: o que não usamos há um tempo, pode servir melhor pra outra pessoa. aproveitamos pra revisar aquela calça que já ficou curta, a bermuda que não fecha mais, a blusa que tem um furo. 

nessa organização toda, sentamos com eles pra separar os brinquedos que eles não usam e, nessa, o pequeno logo se prontificou a ajudar. em meio ao caos que a casa por alguns instantes ficou, ele foi, na ponta do pé tomando cuidado pra não pisar nas barreiras que encontrou no caminho. nas mãos segurava o chapéu do Patatá. 

- justo o Patatá, filho?

- é, papai, já coloquei o Patatá perto da porta pra gente doar, tá bom?

- mas filho, é o brinquedo mais importante pra gente, lembra da história dele?

abro um parênteses aqui pra contextualizar: quando os conhecemos e ainda moravam no abrigo, o Allan era vidrado no Homem Aranha e o Davi, no Patati e Patatá. pouco antes de virem pra casa, teve uma festa de aniversário do Davi e, na ocasião, ele ganhou do pessoal do Projeto Parabéns o boneco do Patatá. ficou todo contente e não dormia sem ele abraçado, rapidinho parou de cantar de tanto que apertou o botão. uns dois dias antes de se mudar pra cá, fez um pedido pra gente:

- papai, leva o Patatá com você? deixa lá na minha cama ele me esperando?

nem preciso dizer o quanto choramos nessa horá a, né? pois ficamos dois dias ainda sem filhos a tira colo mas com o Patatá lá, como se lembrasse pra gente: essa cama tem dono, daqui a pouco ele estará aqui com vocês. e veio. e continuou dormindo com o Patatá e andando agarrado nele pra lá e pra cá. 

mas isso já tem um ano e meio. 
recentemente o Davi tem demonstrado muitas lembranças de quando não nos conhecia. meses atrás ele ainda fingia não lembrar, como se tivesse apagado o passado. agora não: vez ou outra solta um "eu não conhecia esse lugar quando eu morava no abrigo, né papai? agora eu conheço". isso tem sido frequente e, acreditamos que num gesto como se quisesse por ora esconder um pouco disso tudo, passou a se dizer com medo do Patatá (como se ele fosse um palhaço assassino) na tentativa de deixá-lo longe. 
certamente a imagem do Patatá traz muitas lembranças pra ele. 

sempre que volta o assunto, tal qual ontem, permanecemos na mesma tecla: não precisa ter medo ou vergonha do seu passado. tudo o que aconteceu, as pessoas que conheceu e a trajetória dos irmãos nos levou ao que temos hoje. 
o Patatá, pra gente, foi dos sinais mais fortes de confiança e de ansiedade pela nova vida que ele poderia externar. e isso é muito bonito. 

o pequeno é gigante. 
deu uma risada de canto de boca, como se entendesse tudo o que dissemos e só pediu uma coisa: pode deixar ele então, mas guarda ele lá encima do armário, fechado? tenho medo dele, papai. 

risos.

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